terça-feira, 31 de janeiro de 2012

OS TRINTA E CINCO CAMELOS - Malba Tahan


  OS TRINTA E CINCO CAMELOS - Malba Tahan

     Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz,  com grande talento pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.
     Encontramos, perto de um antigo caravançará meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios, gritavam possessos, furiosos:
Não pode ser! ...      — Isto é um roubo! ...         — Não aceito!
     O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
— Somos
irmãos - disse o mais velho - e recebemos como herança esses 35 camelos.
    Segundo a vontade expressa de meu pai, devo eu receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos. A cada partilha proposta, segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio! Como fazer a partilha, se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas?
— É
muito simples — atalhou o “homem que calculava”. — Encarregar-me-ei de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal, que em boa hora aqui nos trouxe.
    Neste ponto, procurei intervir na questão:
Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o nosso camelo?
Não te preocupes com o resultado, ó “bagdali”! — replicou-me, em voz baixa, Beremiz. — Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás, no fim, a que conclusão quero chegar.
     Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal, que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
— Vou, meus amigos — disse ele, dirigindo-se aos três irmãosfazer a divisão justa e exata dos camelos, que são agora, como vêem, em número de 36.
    E voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
— Deves receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, ou seja, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.    Dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:
— E tu, Hamed Namir, devias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
    E disse, por fim, ao mais moço:
— E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, devias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. tens a agradecer-me pelo resultado.  Numa voz pausada e clara, concluiu:
Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir — partilha em que todos os três saíram lucrando — couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o queum total de 34 camelos. Dos 36 camelos sobraram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao “bagdali” meu amigo e companheiro; outro, por direito, a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança.
— Sois
inteligente, ó estrangeiro! — confessou, com admiração e respeito, o mais velho dos três irmãos. — Aceitamos a vossa partilha, na certeza de que foi feita com justiça e eqüidade.
    E o astucioso Beremiz — o “homem que calculava” — tomou logo posse de um dos mais belos camelos do grupo, e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:
— Poderás
agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro. Tenho outro, especialmente para mim.
   E continuamos a nossa jornada para Bagdá.          ( retirado do livro  “O Homem que Calculava”)

       Júlio César de Mello e Souza (RJ, 6 de maio de 1895 - Pe, 18 de junho de 1974), conhecido como Malba Tahan, foi um  escritor e matemático brasileiro.  Ele produziu 69 livros de contos e 51 de Matemática, vendendo mais de dois milhões de exemplares.   A obra mais famosa ”O Homem que Calculava”  foi publicado pela primeira vez em 1939 e já está na 75ª edição, traduzido para mais de 12 idiomas.                                       
Fonte: http://www.juraemprosaeverso.com.br/Biografias/MalbaTahan.htm